quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sem teatro III

-Não é você, sou eu.

(De fato, sou sempre eu)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O tapa na cara que ganhei do garoto.

Hoje é segunda.
As pessoas costumam reclamar das segundas.
Logo, reclamo eu.

A prefeitura distribui leite às segundas.
O ponto costuma estar mais lotado às segundas.
Hoje, havia garoto de onze anos lá.

...

Esbarrei no garoto sem querer, desculpei-me e ele também.
Ele me disse seu nome, perguntei o dele.
Ele me disse que meu nome era lindo.
Eu me chamo Thaís, com acento e com agá.
O garoto me alegrou muito, mais que aquele outro que ia à terapia dia desses.
E não foi porque elogiou meu nome.
Ou pela maneira engraçada que me chamara de senhora.
Ele torcia para o São Paulo, disse-me que era o time do nosso país.
Expliquei-o que São Paulo era o nosso estado.
Retrucou-me que então era nossa capital.
Repeti que São Paulo era nosso estado e a capital dele ganhou o mesmo nome, nosso país era o Brasil e rapidamente ele gritou:
-Brasília! Brasília é a capital, não é? Eu pego leite de segunda e de quinta. Caiu? - enquanto apontava para o meu celular- Acho que dá para arrumar. Pego leite pela carteirinha da minha tia e da minha mãe. Da minha mãe que é deficiente.
-Como assim? Deficiente.
-É, ela anda de bengala. Tomou uma injeção errada no postão. Às vezes ela passa mal e eu chamo a minha vizinha, ela sempre cuida da minha mãe. Ela me pede para ligar para o meu tio, que na verdade é meu padrasto, eu que chamo de tio, eles vão ao hospital e eu nunca sei o que acontece lá, mas acho que ela melhora.
- E você ajuda à sua mãe em casa?
- Sim, eu e minha irmã de treze anos, minha mãe fica fraca direto. Estão na justiça, a injeção foi em 2008, parece que a enfermeira fez de propósito.
-Você estuda aqui perto?
-Sim e moro do lado da escola, quer sentar tio ?
Esse tio tinha um nome, só não me lembro mais. Na fila do leite, são sempre idosos. Desse vez tinha esse garoto, não sei onde ele esteve as outras segundas, todos da fila o conheciam, era como se ele fosse o mascote ou a luz daquele ponto.
Foi nesse dia tão bonito e quente que está hoje que ganhei um tapa na cara enquanto alimentava o meu mau humor.
Daniel me bateu com aquele sorriso.
Ele estava mais feliz do que eu.
Era como se ele encontrasse mais motivos para sorrir e menos para reclamar.
E eu só sei reclamar.
Ele não era nenhum coitado. Muito longe, bem longe disso.
Me contou mais coisas e enquanto nos conhecíamos, eu rezava para o meu ônibus atrasar.
Fiquei pensando nele o dia todo.
Mas não era porque ele ajudava à mãe em casa.
Era porque ele era feliz.
Parecia estar tudo bem e de fato estava, acordar cedo às segundas e quintas para buscar leite e bater naqueles velhinhos e na moça rabugenta toda vez que sorria.

A gente gasta muito tempo reclamando, mas Daniel só queria pegar seu leite.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sem teatro II

" ...
- Oi, liguei para saber como tas.
- Estou bem e tu?
- Também, naquelas.
- Sinto sua falta, bastante, todos os dias.
- Eu também sinto a sua, sempre.
- Comecei a sair com uma garota esses dias, ela me disse que ainda gostava você, eu não disfarço.
- A gente é pra sempre, só não somos pra agora. Vamos ficar bem. Você aí e eu aqui. Cada um com seu sonho, talvez um dia eles tornem um comum. Talvez nunca. É bom saber de você.
..."

Esse é um trecho da história de um amor que não é o meu.
Não sei muito sobre ela, mas deve ser algo muito próximo do que foram Dex e Em.
Acordei angustiada, sou uma Em sem Dex.
E não deveria pegar o papel de Sophie nessa peça.
Esse é um trecho da história de um amor que não é o meu.
Esse é um trecho da história.
De um amor que não é o meu.
Não haverá Sophie.
Porque só quero se o papel de Em for meu.
.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Sem teatro I

Eu sou uma farsa.
O meu cabelo.
O que digo.
Eu não estudo tanto quanto vocês pensam.
E nem me sinto tão bonita.
Isso é tudo enganação.
Mas estou querendo enganar a quem?

domingo, 3 de novembro de 2013

Tinha um macaco.

Ora, tinha um macaco na cozinha.
Um macaquinho mesmo.
Deu trabalho para tirá-lo da cozinha.
Deram-no comida.

Ora, tinha um macaco na cozinha.
O que ele fazia na nossa cozinha?
A partir de agora a porta será mantida fechada.
Vai que o tal macaquinho invade o nosso espaço.

Ora, tinha um macaco na cozinha.
Ele foi tirado de lá.
Ele tinha fome e não tinha espaço.
Quanto atrevimento daquele macaco.

Depois tinha um macaquinho no poste da esquina.
Tinha um macaquinho no poste de concreto da esquina.
O que fazia o macaquinho no poste de concreto da esquina?
Ele também tinha fome, não deram-no se quer uma banana.
Mas por que estava lá? Porque não tinha espaço.

Também não tinha espaço para quem pode pagar por ele.
Desmataram a casa dos macaquinhos, o da cozinha e o do poste.
No lugar vão fazer um condomínio.
Cheio de e$paço e de comid@.

Só que os macaquinhos não podem pagar.
E esse não é o fim do mundo.
Tem sido o fim da gente.
Dessa vez foi com os macacos.

Lembranças do Sapiens Sapiens-Tupi.



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Ei, Estranho!

Sente, vamos conversar.
Preciso te contar, Estranho, de onde é que eu vim e o que foi que fiz do meu tempo.
Do meu tempo até aqui.
Veja, Estranho.
Queria que numa tarde só você soubesse quem sou eu.
Insanidade.
Não dá, Estranho.
Você não saberia quem sou numa tarde.
Mas não se esqueça, Estranho.
Você tem de saber quem sou.
Vamos nos dar um tempo, Estranho.
Esse tempo, o de agora.
Para desestranhar.

Estranha.

Os meus pés.

Dos meus pés eu gosto.
Sabe, às vezes eu penso.
Eu penso mesmo, às vezes.

Dos meus pés eu gosto.
Da cicatriz do balanço de madeira que vendia na rodovia.
Do tempo que meu pai era vivo, que ele fumava enquanto me via crescer.

Dos meus pés eu gosto.
Das minhas unhas irregulares, sempre com o mesmo esmalte.
Da renda para a francesinha, da francesinha para a renda.

Dos meus pés eu gosto.
De saber para onde me levaram e, principalmente, para onde é que vão me levar.
Porque dos meus pés eu gosto.

Eu gosto dos meus pés.
Eu gosto de pés.
Da liberdade dos pés.

Da invenção do chinelo.
Os meus pés.
A minha história.
Sufocada no tênis masculino que comprei no mês passado.

São os meus pés e onde eu fui.
Estão os meus pés, ora para o teto, ora para chão.
Porque são meus pés.
Os pés são meus.