segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O tapa na cara que ganhei do garoto.

Hoje é segunda.
As pessoas costumam reclamar das segundas.
Logo, reclamo eu.

A prefeitura distribui leite às segundas.
O ponto costuma estar mais lotado às segundas.
Hoje, havia garoto de onze anos lá.

...

Esbarrei no garoto sem querer, desculpei-me e ele também.
Ele me disse seu nome, perguntei o dele.
Ele me disse que meu nome era lindo.
Eu me chamo Thaís, com acento e com agá.
O garoto me alegrou muito, mais que aquele outro que ia à terapia dia desses.
E não foi porque elogiou meu nome.
Ou pela maneira engraçada que me chamara de senhora.
Ele torcia para o São Paulo, disse-me que era o time do nosso país.
Expliquei-o que São Paulo era o nosso estado.
Retrucou-me que então era nossa capital.
Repeti que São Paulo era nosso estado e a capital dele ganhou o mesmo nome, nosso país era o Brasil e rapidamente ele gritou:
-Brasília! Brasília é a capital, não é? Eu pego leite de segunda e de quinta. Caiu? - enquanto apontava para o meu celular- Acho que dá para arrumar. Pego leite pela carteirinha da minha tia e da minha mãe. Da minha mãe que é deficiente.
-Como assim? Deficiente.
-É, ela anda de bengala. Tomou uma injeção errada no postão. Às vezes ela passa mal e eu chamo a minha vizinha, ela sempre cuida da minha mãe. Ela me pede para ligar para o meu tio, que na verdade é meu padrasto, eu que chamo de tio, eles vão ao hospital e eu nunca sei o que acontece lá, mas acho que ela melhora.
- E você ajuda à sua mãe em casa?
- Sim, eu e minha irmã de treze anos, minha mãe fica fraca direto. Estão na justiça, a injeção foi em 2008, parece que a enfermeira fez de propósito.
-Você estuda aqui perto?
-Sim e moro do lado da escola, quer sentar tio ?
Esse tio tinha um nome, só não me lembro mais. Na fila do leite, são sempre idosos. Desse vez tinha esse garoto, não sei onde ele esteve as outras segundas, todos da fila o conheciam, era como se ele fosse o mascote ou a luz daquele ponto.
Foi nesse dia tão bonito e quente que está hoje que ganhei um tapa na cara enquanto alimentava o meu mau humor.
Daniel me bateu com aquele sorriso.
Ele estava mais feliz do que eu.
Era como se ele encontrasse mais motivos para sorrir e menos para reclamar.
E eu só sei reclamar.
Ele não era nenhum coitado. Muito longe, bem longe disso.
Me contou mais coisas e enquanto nos conhecíamos, eu rezava para o meu ônibus atrasar.
Fiquei pensando nele o dia todo.
Mas não era porque ele ajudava à mãe em casa.
Era porque ele era feliz.
Parecia estar tudo bem e de fato estava, acordar cedo às segundas e quintas para buscar leite e bater naqueles velhinhos e na moça rabugenta toda vez que sorria.

A gente gasta muito tempo reclamando, mas Daniel só queria pegar seu leite.


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